VEM que as eleições estão a chegar

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Houve um tempo em que o Governo desafiava os portugueses a abandonar a “zona de conforto” e a procurar saída no estrangeiro. Comecemos pela imagem: só por notório mau gosto se pode chamar zona de conforto a uma situação de desemprego. Por certo, o autor desta mensagem – um jovem secretário de Estado cuja notoriedade se resume à metáfora infeliz, replicada por vários membros deste Governo – nunca viveu num lugar tão amargo.

Os tempos mudaram, assim se faz a roda do mundo. As eleições legislativas aproximam-se. O mesmo Governo que exortava os portugueses a procurar a sobrevivência lá fora lança agora, de forma pomposa, “um programa estratégico para as migrações”. Medida deveras inesperada, esta do Executivo do PSD/CDS. Prevê apoio ao regresso dos emigrantes enxotados pela austeridade, criando condições, em sintonia com o Instituto de Emprego e Formação Profissional, para as empresas que contratem desempregados portugueses no estrangeiro.

Uma verdadeira quimera, engendrada para maquilhar a realidade, é quase insulto à inteligência. O programa anunciado por um jovem secretário de Estado – contratado para fazer a propaganda do Governo de Passos e Portas, em briefings diários, de que já ninguém se lembra – designa-se VEM. Como vai convencer a voltar quem foi obrigado a sair não conseguiu explicar. Do programa deveras espantoso se sabe, apenas, que é destinado a 50 (cinquenta) almas.

Se desde 2008, mais de meio milhão de portugueses foram forçados a entrar nas rotas da emigração (tendo mais de metade entre 20 e 39 anos), a proposta do Governo, aprovada em Conselho de Ministros, parece um truque de mau gosto da mesma índole da metáfora “zona de conforto”. Os tempos não estão para comédias destas, sobretudo quando se trata da vida de pessoas – deixaram tudo porque o país onde nasceram não é capaz de lhes proporcionar vida digna.

Paula Ferreira
Opinião JN 14.03,2015