Passos ganhou a batalha ideológica

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A ideia é de João Cravinho e foi avançada num debate sobre políticas públicas em tempos de troika, organizado pelo ISCTE: Passos Coelho ganhou a batalha ideológica. E ganhou-a porque não mudou só o Estado, a economia, as relações laborais: mudou-nos a alma. Hoje estamos mais descarnados, mais descrentes, mais tementes à mudança. Interiorizámos as culpas pela crise. A nossa matriz judaico-cristã leva-nos a assumir que foi o nosso pecado de luxúria consumista que nos conduziu ao pedido de ajuda internacional. E é essa mesma matriz que nos leva a aceitar que “só saímos disto empobrecendo”. Passos ganhou a batalha ideológica porque houve várias “verdades” que se tornaram oficiais, à custa de tanto serem repetidas: que vivemos acima das nossas possibilidades, que trabalhamos pouco, que não somos produtivos, que temos demasiados dias de férias, que temos excesso de garantias quando somos trabalhadores sem termo, que os pensionistas recebem de mais, que os funcionários públicos ganham muito para o que produzem, que a emigração é uma oportunidade, que os contratos a termo certo são melhor que nada, que licenciados a ganhar 700 ou 800 euros por mês é aceitável. Passos ganhou a batalha ideológica porque colocou velhos contra novos, empregados contra desempregados, funcionários públicos contra trabalhadores do setor privado. Toda a gente aceita hoje que é necessário reduzir mais e mais as pensões e que a devolução dos salários na Função Pública só esteja regularizada em 2019. O enorme desemprego é uma fatalidade. Poucos contestam o caminho que estamos a trilhar. Quando muito contesta-se o ritmo. O CDS e o próprio PS parecem estar reféns destas ideias. Passos só não alcançou ainda o seu último objetivo, embora o tenha forçado várias vezes: a revisão da Constituição. Mesmo assim, e apesar do Tribunal Constitucional, conseguiu que algumas das suas pretensões passassem. Que ninguém tenha dúvidas: Passos vai dar muita luta até às eleições de outubro. E mesmo que as perca, já nos mudou a alma.

Nicolau Santos
Opinião Expresso 16.05.2015