A dose de bronzeador

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Sem a bússola das lideranças, a incerteza sobre riscos e ameaças cobre de uma penumbra inquietante o futuro europeu. E a tentação é desacreditar. Durante décadas, a Europa conseguiu equilibrar crescimento e redistribuição de riqueza com base nos serviços que garantiam o Estado social, financiado por uma fiscalidade progressiva.

Mas a crise minou as bases desse modelo ao falhar o crescimento, sem o que não há redistribuição. E também minou em parte os fundamentos democráticos da união idealizada, ao atribuir a capacidade de decisão a não eleitos por aqueles que sofrem as consequências das suas decisões.

Mais que a falência grega, a crescente desigualdade, o empobrecimento das classes médias e o desemprego de milhões de europeus, sobretudo os mais jovens, vão ter efeito duradouro. E são a prova acabada do falhanço das políticas dominantes e da arquitetura da União.

Mas há um novo discurso no ar. Ao presidente francês e ao chefe do Governo italiano acaba de se juntar o jovem líder dos socialistas espanhóis. Falam da refundação da Zona Euro e de uma outra Europa. Com outras formas de governo, os mesmos impostos, um tesouro público europeu, um salário mínimo e uma idade de reforma comuns para todos os países membros, e um seguro de desemprego equivalente. Isto, a par de outras propostas de tipo financeiro, como a ampliação dos fundos contra crises bancárias, a criação de um fundo de garantia de depósitos e a criação de um mercado único de capitais europeus.

Reclamam mais Europa. Porque num tempo de economia aberta, dominado pela globalização, já não é possível remediar os efeitos da crise só com políticas nacionais. Muito menos se elas não forem legitimadas pelo voto.

Por cá, a política parece particularmente empenhada em cultivar a sua própria insignificância. A seis semanas das eleições, ele foi a polémica dos cartazes, agora a dos debates, tudo menos ideias. Como se a crise tivesse ido também de férias, deixando-nos entregues ao tamanho da toalha de praia e à dose de bronzeador.

Não se discutem propostas eleitorais. Uns por inabilidade em as apresentar, outros porque fogem a discuti-las. Em vez de debater os programas para as legislativas, fala-se de presidenciais. O ruído de fundo é mais passado que futuro. E todos fazem por ignorar os porquês do desastre grego e as razões pelas quais, se não atalharmos, iremos pelo mesmo caminho.

Afonso Camões
Opinião JN 23.08.2015