A suástica e outras cruzes

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1. Na semana passada o JN publicou uma notícia, com fotografia, de uma atividade funesta de praxe, em que um dos “praxados”, presumivelmente um estudante, usava uma braçadeira com uma cruz suástica. A ação realizou-se fora das instalações da universidade. Poderia ter ocorrido com estudantes ou não estudantes de qualquer universidade ou politécnico. Manter praxes nesta altura do ano é duplamente deplorável, pelo ato e pelo tempo, mas não é sobre praxes que quero refletir nestas linhas. Importa-me, sim, perceber este sinal da suástica como a ponta do iceberg constituído por tantas outras cruzes da sociedade contemporânea.

2. O Ocidente (em particular a Europa) atravessa uma fase de degradação relativa de vida nos planos económico, social e da segurança, paradoxalmente por razão de dois fatores que indiciariam exatamente evolução em sentido oposto – a queda do regime soviético, em 1989, e a revolução digital sentida desde aproximadamente essa data.

3. De facto, à queda do império soviético seguiu-se um período de esvaziamento ideológico e de predomínio dos mercados sobre a política, fatores que têm dificultado o diálogo entre culturas e religiões. O fluxo de imigrantes e refugiados, primeiro do Leste europeu, depois do Médio Oriente, finalmente de África, conduziu a um problema de substância e de consciência, particularmente no Mediterrâneo, ainda não resolvido pelo Ocidente. Nestas condições sobe a desilusão dos povos e assim se faz chão fértil para soluções populistas e extremistas, como as que poluem atualmente o Ocidente.

4. Complementarmente, a revolução digital tem tido como efeito colateral o uso impune das redes digitais, adubado pela permissividade social que se tornou cultura do nosso tempo. Usam-se as redes para a difusão não só do que se convenciona designar por “pós-verdades”, mas igualmente da mentira e da calúnia, frequentemente através de “posts” anónimos, como meio privilegiado para manipular processos de escolha, para destruir qualquer barreira a objetivos antidemocráticos. Países, instituições e simples cidadãos parecem estar de mãos atadas, incapazes de reagir a violações flagrantes de valores éticos tidos como elementares.

5. Pois é, está a acontecer no Mundo, mas também bem dentro das nossas instituições, com a dimensão desconhecida dos icebergs. Cuidemos!

Sebastião Feyo de Azevedo
Prof. Catedrático, Reitor da Universidade do Porto
JN 21.02.2017
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