Almaraz, não passarás!

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Há 15 dias o Governo português apresentou (finalmente!) uma queixa em Bruxelas contra a construção de um armazém de resíduos nucleares em Almaraz, aprovada por Espanha sem dar cavaco a Portugal e sem um estudo de impacte transfronteiriço tal como as diretivas europeias obrigam.

Um armazém de resíduos radioativos sobre o Tejo é muito grave, mas o pior é que isso significa o prolongamento encapotado da velha central nuclear até para lá de 2020, quando ela já deveria ter encerrado um reator em 2011 e outro em 2013.

Almaraz é uma central antiga, com problemas de construção nunca resolvidos desde o início, pelo que já teve inúmeros avarias traduzidas em interrupções frequentes. Hoje, depois das regras de segurança inspiradas nos acidentes de Chernobyl (1986) e de Fukushima (2010), nunca seria licenciada.

Espanha especializou-se em instalar as suas centrais nucleares junto a rios que vêm para Portugal e de preferência bem perto da fronteira. Se algo de mais grave acontecer em Almaraz, a nuvem radioativa, poderá até dirigir-se para Madrid, o que será sempre péssimo, mas a água contaminada do rio Tejo, essa correrá sempre para o lado de cá. Tudo isto exige particular atenção da parte portuguesa e grande sentido de coordenação ibérica e integração de políticas. E este é mais um problema: com muito pouco dinamismo e visão geoestratégica, Portugal, defendeu sempre mal os seus interesses básicos nesta matéria e arrastou as negligências do costume durante muitos anos e vários governos — fosse no nuclear, fosse na monitorização das águas.

No caso de Almaraz, a denúncia desta infame decisão política foi feita durante meses por associações cívicas, jornais e alguns autarcas revoltados com a displicência a que as suas populações fronteiriças eram votadas. Demorou tempo demais até que o Governo acordasse e, quando o fez, o processo já ia avançado.

Um risco enorme pode agora vir a ser imposto às populações ibéricas para que um consórcio privado de eletricidade continue a alegrar os seus acionistas ganhando, ao que consta, um milhão de euros por dia. Adiar o inevitável encerramento desta central, exponenciando o risco e empurrando para mais tarde os custos económicos que tal implica — e para os quais deveria estar já criado um fundo de reserva obrigatório —, é de uma imoralidade inaceitável e irresponsável. E não se diga que isto é catastrofismo. A Alemanha, entre outros países, decidiu encerrar a totalidade destas centrais até 2020.

Temos, pois, dois problemas: o problema formal do desrespeito pela diretiva europeia e pelos impactos transfronteiriços; e um problema substantivo, que é conseguir que a central de Almaraz encerre e o armazém não se construa. Noutros casos conseguiu-se: o aterro de resíduos nucleares em Aldeadavilla projetado em 1986 para cima da fronteira a norte, não se construiu; e o Plano Hidrológico Espanhol do Governo de Aznar, em 1993, cujos transvases iriam secar os nossos rios comuns, não foi para a frente. Isto porque em ambos os casos houve uma forte mobilização política e cívica integrando movimentos de Portugal e de Espanha. Quando queremos, podemos!

Claro que Almaraz cai, antes de mais, nas mãos dos ministros do Ambiente e dos Negócios Estrangeiros. Mas o assunto interpela a totalidade do Governo e dos órgãos de soberania, incluindo os Parlamentos de ambos os países e o diálogo político ao mais alto nível.

O problema que está a adensar a gravidade de um outro já de si gravíssimo, é o patético exercício de sobranceria imperial com o que o Governo minoritário de Rajoy pretende tomar uma medida que é um verdadeiro ataque ao seu próprio país e ao país vizinho.

Luísa Schmidt
Expresso 28.01.2017