“Até quando vais ser ovelha?”

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Na maior parte das vezes, por comodismo, habituação ou apenas porque fomos obrigados a agir assim, acabamos por dar razão a Camões quando afirmou que “É covardia ser leão entre ovelhas”

Esta ovelha e esta frase, da autoria de Filipe Homem Fonseca, que é possível ver em vários locais de Lisboa e que encontrei numa passadeira, julgo que na Rua da Madalena, interrogam quem passa: “até quando vais ser ovelha?”

Penso que o significado desta pergunta é bastante óbvio. As ovelhas andam em rebanho e, quando uma se perde, o pastor não descansa até a encontrar e trazer de volta ao grupo. Assim, esta frase questiona-nos sobre até quando cada um vai continuar a agir como parte do «rebanho», do grupo ou dos diversos grupos em que cada pessoa se move, não adotando um pensamento próprio, não tomando posição sobre as questões que fazem parte da nossa vida e a definem em sociedade ou, mesmo, sobre assuntos mais concretos e particulares, que apenas dizem respeito à vida de cada um.

Na maior parte das vezes, por comodismo, habituação ou apenas porque fomos obrigados a agir assim, acabamos por dar razão a Camões quando afirmou que “É covardia ser leão entre ovelhas”. E preferimos não ser covardes, quando, na realidade, é sendo “ovelhas” que somos covardes…

Tal como em muitos outros casos de frases ou palavras que encontro pela rua, esta tem uma nítida conotação política ou de intervenção social, lançando um apelo a que as pessoas não vivam alheadas e anestesiadas, gastando o tempo, ou, melhor, «matando o tempo» (como, por vezes, se ouve dizer), mas, no fundo, como diz Bruno Vieira do Amaral, “matando a vida”. Efetivamente, matar o tempo é matar a vida, a própria vida, aquela de que se desiste, por cansaço, por inércia, por opção, por incapacidade; aquela que vamos gastando ou, melhor, desgastando, não usufruindo plenamente da maior riqueza que temos, e que é a própria vida.

Assim, vamo-nos arrastando, aos tombos, entre um amor e outro, entre a multidão e a solidão, entre alegrias e tristezas, até à queda final ou até que encontremos na nossa vida algo ou alguém que nos faça questionar o sentido daquilo que fazemos, da forma como vivemos. Vamos continuando, até encontrarmos alguma coisa, como esta frase, que nos leve a questionar se queremos ser apenas mais uma ovelha num vasto rebanho, protegida pelo pastor e pelo conforto de se ser só mais uma ovelha de um largo grupo. Ou se queremos ser a ovelha negra, aquela que contesta e contraria; ou se queremos, simplesmente, distanciar-nos e pensar antes de agir por impulso, antes de cair no «lugar-comum», antes de seguir o que os outros dizem ou pensam. Ou, alternativamente, a frase questiona-nos sobre se queremos continuar a ser «ovelhas», mas mudar de «pastor». Porque sabido é, como diz um provérbio árabe, que “Um exército de ovelhas liderado por um leão pode vencer um exército de leões liderado por uma ovelha”…

Independentemente da opção que fizermos, se a fizermos conscientemente, mais não fazemos do que, como diz Jorge de Sena, “uma fiel dedicação à honra de estar vivo”!

Maria Eugénia Leitão
jornal Sol 03.08.2016