Austeridade: muito melhor, mas ainda na versão “light”

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A palavra austeridade entrou nas nossas vidas mas é um conceito de difícil caracterização. A austeridade é como as tonalidades de cinzento … não há apenas uma.

Houve uma fase, no passado recente, em que os salários e pensões foram cortados em termos nominais e os impostos aumentados. O desemprego disparou e quem perdeu o emprego ou não encontrava novo emprego, ou se tinha a sorte de o encontrar, era por um salário muito inferior ao do passado. Essa fase da austeridade parece definitivamente para trás. Se o país voltar a enfrentar uma crise – que é possível e provável – devido ao fardo de dívida que carrega, a resposta será outra.

Mas não se pode considerar que saímos plenamente da austeridade. Vivemos uma austeridade – cinzento mais claro – em que a vida melhora muito pouco, mas melhora. Os jovens vão encontrando emprego. O salário mínimo e as pensões sobem um pouco. As famílias compram novos carros e novas casas. Os negócios e as empresas exportadoras vão prosperando. As contas públicas têm um desempenho sem precedente na história recente.

Porém, os jovens que ingressam hoje no mercado de trabalho têm salários e condições de trabalho que se afiguram piores dos que quem entrou no mercado de trabalho há 20 anos. Por conseguinte, afigura-se que o verdadeiro teste à austeridade é o de saber se o nível de vida da maior parte dos portugueses – dos 90% dos portugueses com rendimentos mais baixos – está de facto a melhorar, ano após ano, significativamente acima da taxa de inflação.

Se as novas gerações têm níveis de rendimento mais elevados que a geração que a precede. E se o nível de rendimentos dos portugueses converge, no sentido da subida, em termos nominais e reais, para os níveis dos países mais ricos do mundo.

Ora, ainda não chegámos lá: o País parece parado no tempo e tudo leva muito, muito tempo, a acontecer. Não obstante há vários sinais positivos.

A austeridade só acabará definitivamente quando ocorrerem duas condições. A primeira, e mais importante, é que a potência regional que “manda” na Zona Euro, deixe de exportar deflação para a Zona Euro. A vida também é difícil para demasiados alemães, que vivem à espera que Schäuble seja substituído por outro ministro das finanças.

Ou seja, a primeira condição é que os salários, pensões e os preços comecem a subir na Alemanha e nos restantes países da Zona Euro. A segunda condição é que Portugal deixe de estar com a corda da dívida pública e externa enrolada várias vezes à volta do pescoço. Uma corda tão apertada que parece não dar qualquer esperança de alívio e de crescimento durante décadas. Quaisquer das condições parecem miragens.

Mas a vida, “é aquilo que nos acontece enquanto fazemos outros planos” e, por isso, é que parece importante que a “geringonça” seja ambiciosa nos seus desígnios, que não se contente com pouco, que estique a corda, sem quebrar, que puxe pelo país o mais que puder no curto prazo, em benefício dos portugueses que vivem no presente. Porque – como sugere a citação acima de Allen Saunders popularizada por John Lennon – não só vamos viver antes dos supostos benefícios dos planos da austeridade algum dia se materializarem, como esses planos de austeridade “sabem” demasiado a religião: a uma promessa de vida no céu infinitamente melhor que a vida nesta terra…

Ricardo Cabral