Direitos humanos primeiro, capitalismo depois

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Para alguém que acredite que os seres humanos devem ter direitos fundamentais salvaguardados, esse é o fim ao qual tudo o resto deve estar subjugado.

Um dos grandes equívocos da contemporaneidade é a ideia de que o capitalismo global é inevitável e a origem última de todo o bem.

Esta ideia está duplamente errada.

Primeiro, porque o capitalismo não é inevitável. Olhando para a história da humanidade percebe-se bem quão diminuto é o tempo durante o qual a sociedade se tem organizado segundo esse padrão. Mesmo sendo o modo corrente, nada impede que outros modos dominem o futuro – o fim da história não existe;

Segundo, embora o estado actual de desenvolvimento material da sociedade humana tenha muito a ver com o desabrochar do capitalismo, aquilo que verdadeiramente interessa – a felicidade humana – não surge automaticamente com o capitalismo.

Desde a queda dos regimes ditos comunistas que se tem assistido a um alastrar progressivo do modo de funcionamento capitalista a todo o mundo. Ao mesmo tempo, e desde a revolução industrial, o progresso tecnológico tem crescido exponencialmente. Tudo conjugado, vivemos na época de maior abundância material da história da humanidade, o que nos permitiu aumentar a esperança média de vida da população mundial e diminuir o número de pobres absolutos.

É verdade, também, que há uma coincidência temporal entre o iluminismo, o humanismo (que influencia a posterior consagração dos direitos humanos), a revolução industrial e a propagação do capitalismo. Mas não há uma relação causal definitiva entre capitalismo e tudo o resto. Em concreto, importa perceber quais são os fins e quais são os meios.

Para alguém que acredite que os seres humanos devem ter direitos fundamentais salvaguardados – como o acesso a bens e serviços essenciais, liberdades políticas, sociais e económicas, enfim, o direito real a perseguir a felicidade –, esse é o fim ao qual tudo o resto deve estar subjugado.

No caso do capitalismo, devemos enquadrá-lo precisamente nessa perspectiva: aproveitar o seu funcionamento para garantir os direitos humanos e a felicidade.

Na prática, tudo isto se traduz em opções políticas muito concretas: legislação laboral que equilibre os direitos dos empregadores e dos empregados, legislação ambiental que salvaguarde o planeta, legislação fiscal que permita a redistribuição da riqueza e do rendimento, legislação política que ponha o poder da democracia acima dos outros poderes e legislação social que proteja os desempregados, os doentes, os reformados, as minorias e os discriminados.

Um capitalismo assim enquadrado, e disseminado à escala global, é capaz de gerar riqueza que chegue para a realização dos objectivos acima propostos e para a concretização do potencial e felicidade humanos. Pelo contrário, um capitalismo desregulado diminui o potencial social, cria injustiças e viola os direitos e liberdades básicas dos seres humanos.

Gabriel Leite Mota