Josefa, Joaquim e os eurocratas

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São dois portugueses anónimos que no anonimato continuariam, não se desse o caso de se terem cruzado com a jornalista do JN Sandra Freitas. Dois cidadãos que, de acordo com os cânones contemporâneos, não têm histórias interessantes para contar e que, portanto, não deveriam merecer meia página de jornal. Não são empreendedores, nem aventureiros, não marcam golos, não são tubarões da finança, nem gestores de sucesso, não são modelos de lingerie, nunca cantaram no “Ídolos”, não são, sequer, ex-concorrentes do “Big brother”. São apenas um apagado casal de operários têxteis que, juntos, somam 90 anos de trabalho. Oito horas por dia, a troco do salário mínimo nacional (ela) ou mais meia dúzia de euros (ele). Joaquim entra às 22 e sai às 6, a hora a que Josefa entra, para sair às 14 horas. Há quase 40 anos que andam assim, casados e desencontrados. Têm duas filhas e uma neta, emigrada com os pais na Suíça, que gostariam de visitar, mas não podem. Porque é preciso continuar a trabalhar. Muitas horas, mais anos, por pouco dinheiro. Josefa e Joaquim ainda não se podem reformar e continuarão com o seu “sacrifício”. E para quê? Para que lá em casa não se coma apenas “arroz com arroz ou massa com massa” e para “ter um dinheirinho para uns passeios, ir a umas festas ou ao café”.

É o que se chama borrar a pintura. Afinal, talvez tenha razão Jeroen Dijsselbloem, o holandês que preside ao Eurogrupo. Passeios, festas e café é a versão neorrealista dos “copos e mulheres” em que os pândegos do Sul andam a gastar os milhões emprestados pelos poupados europeus do Norte. Esta vertigem pelo desperdício de um casal de operários de Guimarães colide, por outro lado, com a visão esclarecida de uma outra eurocrata, enviada do Banco Central Europeu aos territórios do Sul, que alerta para um salário mínimo nacional demasiado elevado. Tanto que, para além de financiar passeios, festas e cafés a Josefa e Joaquim, ainda agrava o desemprego.

É verdade que a taxa em Portugal está a baixar, ao mesmo tempo que sobe o salário mínimo (que raio de milagre), mas a belga Isabel Vansteenkiste não deixa que a realidade estrague uma boa história: se o salário fosse mais baixo, a taxa teria descido ainda mais. Suponho que o céu é o limite: se o salário mínimo fosse zero, não haveria desemprego. E ainda se resolvia o problema dos gastos em “copos e mulheres”. Ou, na versão de Josefa e Joaquim, da meia dúzia de euros gastos em “passeios, festas e cafés”.

Rafael Barbosa