O elevador da pobreza

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É lepra. Daquela que parece não ter cura. Que se cola à pele das palavras. E por isso a deixamos ficar quietinha nos números. Os portugueses, diz o senso comum, são maus de contas. Neste caso, quanto menos soubermos mais jeito nos dá. Ainda por cima, é mais do mesmo. Vamos a isso, então. A mais do mesmo. Às redundâncias. Factuais.

A lepra da pobreza atinge dois milhões de portugueses. Em permanência. Não saem desse estado. Pode haver uns sobes e desces, mas é de côdea que falamos. Sem miolo. Esses 20 por cento estão sempre no limiar da pobreza (os números, quando usam letras, não gostam que se diga logo pobreza. Limiar nunca é definitivo. É estar dentro e fora. Façamos a vontade. Aos números). Quer dizer que andam nos 422 euros por mês. Uma mentira. Dos números. Uns ganharão, outros nem por isso.

Contas de somar. Estes 20% de pobres são-no mesmo após transferências sociais. Essas coisas peganhentas e de má fama, por uns pagam os outros, tipo rendimento social de inserção, ou o complemento solidário para idosos. É o Estado quem segura as pontas. Sem isso, metade do país estaria em risco de pobreza.

Restam cinco milhões. De portugueses. Distribua-se o dinheiro.

Mostram os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística, referentes a 2014, que 10% da população com mais recursos ganhou em média 26 mil euros por ano. Não, não são os verdadeiramente ricos. São os mais ou menos. Mas parecem. Muito ricos.

Desça-se vertiginosamente no elevador social. Os 10% com menos recursos ganham 2500 euros. Por ano. Pelo meio andam os outros. Entre os quatro mil e os 15 mil. Tudo por ano. Uma fortuna. Para quem está abaixo.

Pior não se desce? Desce, desce. Quem tem emprego também está no limiar da pobreza: 30% das pessoas empregadas tinham rendimentos inferiores a 610 euros. Por mês, desta vez.

Resta o resto, que também já sabemos. Os anos da troika trouxeram decréscimo generalizado do rendimento das famílias. Mas o elevador, depois de tanto descer, subiu um bocadinho em 2014. Deixando-nos ao nível de 2004.

Perplexos? Não vale a pena. A distribuição de riqueza no país é mesmo nula. Os idosos são mesmo quem vive com maiores dificuldades. Os casais com filhos são mesmo aqueles que têm visto a vida piorar.

É lepra. Que se pega. Se as políticas não servirem para estancar. Só para remediar. Mas por aqui tem-se politicado que o elevador só sobe porque tem por onde subir. Até quando?

Domingos de Andrade
Opinião JN 14.05.2016