O procedimento

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Porque é que Portugal está no “procedimento” e a França não? Porquê 3% e não outro valor para o tecto do défice? Porque é que tem que ser igual para todos? Que papel têm as chamadas “regras europeias” em manter Portugal condenado a crescimentos débeis e por surtos?

Escrevo estas notas quando Portugal “sai do procedimento por défice excessivo”. Tardou, porque já há algum tempo que Portugal tinha défices abaixo de 3%, todos na vigência do governo socialista, e parece que tal decisão é tomada com enorme relutância e é sempre acompanhada por uma série de avisos recomendando a mesma política dos anos da troika. Citando o Público:
“A Comissão volta a mostrar que não acredita que seja possível a Portugal cumprir as regras orçamentais europeias apenas com as medidas actualmente previstas pelo Executivo (…) tanto em 2017 como em 2018 Portugal não conseguirá realizar nem a redução anual de 0,6 pontos percentuais do défice nem o ritmo de diminuição da dívida pública que lhes são exigidos agora que o País passa do braço correctivo do Pacto de Estabilidade para o braço preventivo.”

É como se nos tivessem que dar um rebuçado e ao mesmo tempo nos pregassem um sermão para o risco de nos voltarem a tirar o mesmo rebuçado se nos portarmos mal. Aliás, é sempre assim e eu acho que a minha paciência para estas manifestações de paternalismo já não é nenhuma.

Este é mais um dos casos em que não há verdadeiro escrutínio do que acontece, que é a regra em muitas matérias europeias. Porque é que Portugal está no “procedimento” e a França não? Porquê 3% e não outro valor para o tecto do défice? Porque é que tem que ser igual para todos? Que papel têm as chamadas “regras europeias” em manter Portugal condenado a crescimentos débeis e por surtos? Na verdade, sabemos a resposta a todas estas perguntas, mas essas respostas não entram na política que se discute, a não ser, honra lhe seja feita, pelo PCP.

Ilustração Susana Vilar

Foi preciso vir cá um “arrependido” do FMI explicar que talvez fosse bom para a economia portuguesa não se sujeitar a défices tão baixos, para se poder recapitalizar a banca e ter investimento público. Como andamos todos contentes com os bons resultados da economia portuguesa, – e ainda bem! – tendemos a esquecer que as “regras europeias”, na forma como têm sido aplicadas, têm dois resultados nefastos: obrigam a uma determinada política económica considerada canónica pelo Eurogrupo, e condenam-nos a uma mediania e a um mediocridade periférica.

José Pacheco Pereira
Ler mais em: Sábado 28.05.2017