O senhor Subir Lol (e não Lall)

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O QUE AINDA SURPREENDE NOS SUBIR LALL DESTE MUNDO É QUE TRAZEM UMA RECEITA NA BAGAGEM QUE APLICAM AQUI, NO SRI LANKA OU NA PATAGÓNIA, COMO SE FOSSE INDIFERENTE TRATAR SEMPRE COMO IGUAL AQUILO QUE É PROFUNDAMENTE DIFERENTE

Com muito mais regularidade do que as andorinhas, o senhor Subir Lall, chefe da missão do FMI, aterra no aeroporto da Portela e ameaça-nos com os nove círculos do inferno de Dante se não tomarmos rigorosamente os amargos remédios que nos receita. Acontece que desde 2015, o sr. Lall ou corrige o que tinha dito ou não lê os relatórios da sua própria instituição, insistindo nos caminhos criticados pelos seus colegas do Fundo, ou insiste em certas opções que a superestrutura da instituição sediada em Washington parece já ter arrumado num arquivo qualquer.

Diz o sr. Lall em entrevista ao “Público” que os processos de reforma demoram entre cinco e dez anos, “porque têm de ser feitos de uma forma que é aceitável para a sociedade”. Ora aqui está uma verdadeira novidade, porque o massacre a que foi sujeito o Governo anterior por parte do FMI, apesar de todas as reformas a que procedeu (e a que o atual continua a ser sujeito), não indica que o sr. Lall tivesse, na altura, o entendimento que agora explana.

Mas quais são as reformas que o sr. Lall propõe? Pois, a política salarial, as pensões, as reformas da administração pública e o sistema financeiro. São estes, para Lall, “os estrangulamento” cruciais da política económica. Como é óbvio, o que o sr. Lall quer dizer é que é preciso reduzir salários, cortar nas pensões, despedir trabalhadores da função pública, encerrar serviços, emagrecer drasticamente o Estado social. Ah, e claro que o sr. Lall está contra o aumento do salário mínimo, mesmo que ele seja o mais baixo da União Europeia e mais de metade dos trabalhadores portugueses aufiram, em média, o espantoso montante de 700 euros por mês.

Quanto aos bancos, apesar de o FMI ter andado por cá durante todo o período de ajustamento e não ter dado pelos gravíssimos problemas do sistema financeiro português, o FMI diz agora que ele é “uma prioridade urgente”. Sobre esta matéria, o sr. Subir Lall chuta para o lado, diz que o assunto está por concluir e que “não é fácil de resolver”, propondo o que prescreve para o país: cortes na rede de agências e, subentende-se, cortes no pessoal e cortes na internacionalização. Os bancos de um pequeno país só têm direito a ser pequenos bancos locais, sem ambições de crescer.

O que ainda surpreende nos discursos dos homens do FMI é a completa insensibilidade social que manifestam quando se trata de resolver os problemas de países em dificuldades. As pessoas que emigram ou ficam sem trabalho ou sem acesso à educação ou a cuidados de saúde são danos colaterais do grande desígnio do Fundo: meter a casa na ordem, ou seja, proceder aos reequilíbrios financeiros, custe o que custar, doa a quem doer e quanto mais depressa melhor.

O que ainda surpreende nos Subir Lall deste mundo é que trazem uma receita na bagagem que aplicam aqui, no Sri Lanka ou na Patagónia, como se fosse indiferente tratar sempre como igual aquilo que é profundamente diferente.

Aquilo que já não surpreende de todo é o modelo ideológico que vem na mala dos Subir Lall deste mundo como se não houvesse alternativa e que é imposto à revelia de governos democraticamente eleitos – um modelo que privilegia o capital em detrimento do trabalho (como se o trabalho fosse o culpado de todas as crises), que escarnece dos sistemas de concertação social e da política de rendimentos, que coloca o sistema financeiro muito acima da indústria, da agricultura ou do comércio e que não se preocupa minimamente em entender as especificidades de cada país.

O ajustamento a que Portugal esteve sujeito foi devastador para o país, devido à perda de empresas estratégicas e de recursos humanos que emigraram. Há mais empresas a exportar mas não se mudou o perfil das nossas exportações. A banca está agora toda, com exceção da CGD, em mãos estrangeiras – e as dificuldades de financiamento das empresas nacionais aumentaram claramente. O desemprego estrutural é agora bem maior que no início da crise (acima dos 10%) e vai manter-se por aqui durante muitos anos. O investimento nacional não existe e o estrangeiro não vem. E como resultado de tudo isto, a economia regista crescimentos agónicos e não se prevê que seja possível um corte rápido com esta tendência.

Mas nada disto entra no pensamento do sr. Lall. O que é preciso é cortar, cortar, cortar, reduzir, reduzir, reduzir. Nunca se ouve dissertar sobre qualquer medida que potencie o crescimento. Por trás, está sempre a ideia da austeridade expansionistas, ou seja, reduzindo o Estado a uma entidade esquelética, fragilizando os direitos dos trabalhadores e reduzindo os custos de trabalho, o investimento estrangeiro jorrará como um maná sobre a economia portuguesa e esta crescerá a ritmos asiáticos. Até agora, esta teoria está muito longe de ser provada. Mas é esta piada, que está sempre subjacente ao discurso do sr. Subir Lall e de todos os Subir Lall que trabalham com ele. Subir Lall? Não, Subir Lol! Embora não apeteça nada rir quando o sr. Lol fala.

Nicolau Santos
Opinião Expresso Diário 23.09.2016