Os “egoístas”

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“[T]here’s no such thing as society.” (Margaret Thatcher, 1987)

O Governo está em modo eleitoral, naturalmente. Os ministros, ou o que sobra deles, desdobram-se em declarações amigas, que não vai haver mais cortes para a educação, que haverá 6 mil promoções nas Forças Armadas e não sei mais quantos médicos e enfermeiros. Mas, no meio, a ministra das Finanças anuncia mais cortes nas pensões. A hipótese de que esse anúncio é a resposta a sondagens do PSD para saber o que o seu eleitorado quer – coisa que todos os partidos com algum dinheiro seguramente fazem – é uma boa hipótese para explicar essa aparente contradição. E se assim for? As pensões em Portugal têm um forte lado redistributivo. Por exemplo, muitos idosos que nada descontaram ao longo da vida, recebem dinheiro de impostos, que também não pagam. O que, aliás, é apanágio do Estado Social. Noutras paranges, Cameron ganhou as recentes eleições, em parte, porque disse que não queria tantas transferências para as pessoas de menores rendimentos e ganhou-as, precisamente, na Inglaterra do Sul, a zona rica do Reino Unido, que transfere dinheiro para os menos abonados da Inglaterra do Norte, do País de Gales e da Escócia, onde perdeu. Há por lá vários países. Aliás na melhor herança de Thatcher. Passos é um aprendiz de Cameron, como todos sabem, e Albuquerque a sua principal delfina. E o que eles fazem, já o fazem há algum tempo. As privatizações foram transferências de rendimento. Muito dele entretanto perdido (e para a sociedade em geral), como na PT ou no BES, mas muito ainda por ganhar, como nos CTT. Todavia, se forem bem feitas, se tivessem sido bem feitas, e se as empresas privatizadas forem convenientemente vigiadas e taxadas, o resultado pode ser globalmente positivo para a sociedade – e há muitas aí que deveriam estar a ser mais vigiadas e mais taxadas, naturalmente. A redução da despesa pública também foi uma transferência de rendimento e das grandes. Mas essas coisas ainda tinham uma “moral” por cima, tinham um pretexto macroeconómico, inventado, mas um pretexto, o do crescimento, o da “modernização”. Esta coisa da redução das pensões já parece mesmo o que é e só é isso, menos dinheiro de quem tem para quem precisa. Mas a Ministra, seguramente sob o olhar atento dos estrategas, defende-o às claras porque, presume-se, sabe que há ainda quem defenda isso. Portugal está a voltar em força àquela “sociedade dual” de que nos andamos a tentar escapar desde o “twenty-five” (como se diz agora). Marcelismo, volta, estás perdoado – por ironia do destino, até pode voltar, nominalmente, sob outra encarnação.

Pedro Lains
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