Quase mil pessoas internadas por não terem para onde ir

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Têm alta clínica mas mantêm-se internadas nos hospitais por falta de resposta da rede de cuidados continuados ou por incapacidade de as famílias os receberem. Casos sociais custam ao SNS num ano cem milhões de euros.

Quase mil pessoas internadas por não terem para onde ir
Apesar de já terem alta clínica, ou seja, de não precisarem de estar num hospital por motivos de saúde, a 19 de Fevereiro 960 pessoas mantinham-se internadas no Serviço Nacional de Saúde (SNS) por motivos sociais. São pessoas que aguardavam, sobretudo, por uma resposta da rede de cuidados continuados ou situações em que as famílias não tinham capacidade ou condições para as receber em casa.

No dia em que os dados foram recolhidos, somavam já mais de 64 mil dias de internamento inapropriado com custos financeiros que estimados a um ano ascendem a 100 milhões de euros. Mas também com grandes custos sociais.

“A cada dia que estão internados, principalmente os idosos, perdem capacidade. Um dia internado corresponde a um mês de fisioterapia de recuperação. Estamos a falar de pessoas que estão, em média, 67 dias internadas. Provavelmente muitas nunca vão recuperar a sua funcionalidade”, alerta o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH) Alexandre Lourenço.

Os dados fazem parte da segunda edição do Barómetro de Internamentos Sociais, iniciativa da APAH, que é apresentado este sábado em Viseu na 4.ª Conferência de Valor. A 16 de Fevereiro os casos sociais representavam 6% do total de doentes internados naquele dia. Um aumento em relação ao primeiro balanço, feito a 2 de Outubro do ano passado, em que os hospitais comunicaram 655 internamentos sociais (4,9% do total de internamentos).

Participaram no barómetro 35 dos 47 hospitais (74%), mais um do que na recolha anterior. Alexandre Lourenço faz a ressalva que nesta segunda edição houve uma alteração do perfil dos hospitais, com a entrada de algumas unidades com maior dimensão.

Os dados foram recolhidos cerca de um mês depois do período de maior gripe e de frio que deixou os hospitais esgotados. “Temos cerca de 21 mil camas no SNS e cerca de 6% estavam ocupadas com casos sociais. No limite é o suficiente para termos um congestionamento no acesso ao internamento e um problema nas urgências. As macas que se vêm nas urgências são situações que requerem internamento”, explica o responsável.

Mas este está longe de ser só um problema de saúde e da saúde. “Grande parte deste fenómeno é de natureza social e, assim sendo, as situações que aparecem são de doentes em exclusão social para os quais depois do internamento não vamos conseguir uma resposta adequada e segura. É um pouco um círculo vicioso. Temos de encontrar soluções a montante para evitar que estas pessoas tenham necessidade de cuidados hospitalares, para identificar as pessoas que vivem isoladas, os idosos que não têm dinheiro para climatizar as casas ou para comprar medicamentos. Há um trabalho conjunto que tem de ser feito na comunidade”, aponta.

A maioria dos casos sociais identificados na segunda edição deste barómetro é de pessoas com mais de 65 anos. O caso mais extremo foi o de uma pessoa que estava internada há 214 dias. São poucos os casos de abandono, mas muitos os que aguardam uma resposta para admissão na rede de cuidados continuados. A segunda causa é a incapacidade de resposta da família e por isso considera fundamental dar impulso aos apoios aos cuidadores informais.

O número de vagas nas unidades que fazem parte da rede de cuidados continuados é limitada, sobretudo na região de Lisboa e Vale do Tejo. Mas há também um trabalho que os hospitais têm de melhorar, como reconhece Alexandre Lourenço, na área da referenciação domiciliária onde existem vagas e equipas disponíveis.

O responsável reconhece que os hospitais são estruturas complexas, com dificuldade em articular-se com a comunidade. A que se junta um modelo de gestão rígido da saúde, pouco aberto a novas soluções como a que existe na Holanda em que existem equipas de enfermagem a promover a actividade dos cuidadores informais.

O congresso terá também um momento dedicado às novas tecnologias, ferramentas que podem ser poderosas aliadas na continuidade dos cuidados, evitando agravamentos drásticos que obriguem a internamentos. Como a telemonitorização ou sistemas de alerta conectados a aparelhos de casa, como uma simples máquina de café, que se a pessoa não ligar a determinada hora envia uma mensagem escrita para o cuidador informal.

Cem milhões num ano

Além dos custos sociais, os internamentos inapropriados são também uma elevada factura para os hospitais. Os mais de 64 mil dias de internamento que os 960 doentes já somavam no dia em que os dados foram apurados (19 de Janeiro) representavam um custo de 26,3 milhões de euros. Valor que tem como referência os 279 euros de custo diário de um internamento num hospital e os 39 euros de diária numa unidade psiquiátrica.

A estimativa a um ano é de cerca de 100 milhões. “Esta conta é para os hospitais analisados. Se extrapolarmos ao restante universo, o valor é maior”, ressalva Alexandre Lourenço, acrescentando que esta iniciativa – que é feito com o apoio da consultora EY – conta com a colaboração do Ministério da Saúde. “Começamos a ter uma ideia conjunta de qual a dimensão do problema. Para o ministério é importante para propor medidas para resolver esta matéria.”

Porque se nada for feito, afirma, “esta realidade vai ter uma tendência crescente com o envelhecimento da população e sem a melhoria das condições económicas e com a precariedade a manter-se, a capacidade das famílias acolherem os doentes também será menor”.

O barómetro que é feito trimestralmente vai passar a ter uma ferramenta online, no site da APAH, para que os dados estejam públicos e disponíveis a quem os quiser consultar.

Ana Maia in Público de 17/03/2018