Terceira via na TSU

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No relatório “Uma década para Portugal”, apresentado por um grupo de economistas que apoiam o PS, há um tema que tem merecido algum debate público, embora nem sempre clarificador. Trata-se da taxa social única (TSU), a fonte de financiamento da Segurança Social que, como recordou o líder deste grupo, já se converteu em muitos países europeus num instrumento de política económica. Como é evidente, o quadro das políticas da UE é tratado como um dado.

Tendo banido a política orçamental, as autoridades da UE fazem depender o crescimento económico e a criação de emprego da redução dos custos das empresas, com destaque para a TSU. Não admitindo a interdependência entre procura e oferta, apenas interessam os custos salariais e outros que afectam a competitividade, o crescimento e a criação de emprego. Por isso, no âmbito da tutela dos orçamentos nacionais (“Semestre Europeu”), a TSU também é tratada como um factor de competitividade. Neste contexto supranacional, é irrelevante que o relatório invoque o art.o 58.o da Constituição (direito ao trabalho), com a sua referência a políticas de pleno emprego. Como também são irrelevantes as referências à “estratégia dos clusters e pólos de competitividade” para promover a inovação. Apenas verniz retórico face aos constrangimentos (inconstitucionais?) do paradigma do Tratado Orçamental.

É verdade que a proposta de redução da componente patronal da TSU “incidirá apenas nas contribuições dos trabalhadores com contratos permanentes”, visando “estimular a oferta e a capacidade das empresas de contratação dirigida a emprego mais estável”. O propósito é louvável, mas a verdade é que o quadro da política é o da “economia da oferta” que, como sabemos, fez da zona euro uma região com elevado desemprego, mesmo antes da crise financeira de 2008. Daí que devamos olhar com grande reserva para as estimativas de crescimento e a redução da taxa oficial de desemprego para metade em quatro anos.

Curiosamente, o texto relaciona a estabilidade do emprego com a melhoria da produtividade do trabalho (p. 44), mas ignora a produtividade quando discute a sustentabilidade do sistema de pensões. Na p. 39, entre seis aspectos fundamentais, refere (n.o 5) “a evolução económica do país (não apenas o produto, mas acima de tudo o emprego)”, esquecendo-se de mencionar que a evolução da produtividade do trabalho é, no médio e longo prazo, um factor central na sustentabilidade do sistema, pois determina o nível médio dos salários e, por conseguinte, o nível das receitas do sistema. Significativamente, alinhando com o discurso neoliberal promovido pelas organizações internacionais há décadas, o relatório insiste no risco do envelhecimento demográfico como se fosse um factor decisivo no longo prazo (ver Maria Clara Murteira, “As pensões no colete-de-forças neoliberal da União Europeia”, http://www.criticaeconomica.net/). Mas não é de admirar, se virmos o curriculum académico do grupo dos economistas escolhidos pelo PS.

Tendo em conta que se trata de um partido que se reclama do socialismo, é chocante ver no relatório (p. 49) a invocação da “liberdade de escolha dos agentes”, o problemático conceito de liberdade popularizado por Milton Friedman. Mas percebe-se, porque o objectivo da redução da TSU dos trabalhadores não é apenas aumentar o rendimento disponível dos mais aflitos. Visa também libertar rendimento dos menos atingidos pela crise para a subscrição de planos privados de pensão, o que é dito em linguagem cifrada. As referências à “justiça actuarial”, como se o sistema fosse de seguro privado, remetem para uma visão individualista da segurança social que é a negação das suas origens: a de um contrato social entre gerações contemporâneas. O pensamento destes economistas ignora que os sistemas de pensões foram criados para garantir o direito à segurança de rendimento.

Finalmente, nesta mesma página do relatório, diz-se que a redução nas contribuições do trabalho (1050 milhões de euros) “não tem qualquer impacto nos actuais pensionistas”. Ora, tratando-se de um sistema em que as contribuições de hoje pagam as pensões de hoje, ficamos sem saber quais são as fontes alternativas da receita. Com este aumento do rendimento disponível, haverá um efeito multiplicador miraculoso nas receitas da Segurança Social? Não fica aberto o caminho para mais cortes nas pensões em pagamento? É esta a terceira via na TSU.

Jorge Bateira

Economista
Opinião i 15/05/2015