Uma indigna ausência de indignação

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Menos dinheiro é mais fácil de guardar, e Ricardo Salgado sempre teve pouco espaço no bolso, visto que, ao que se diz, tinha vários ministros e jornalistas lá dentro

A atenção do País esteve concentrada em Fernando Medina, que foi vítima de um maldoso ataque dos seus adversários, primeiro, e de uma maldosa defesa de José Sócrates, depois. Um azar nunca vem só. Mas essas ocorrências fizeram com que passasse despercebido o drama de um homem de 73 anos cuja pensão de reforma a antiga entidade empregadora quer reduzir em 87%. Parece incrível, mas é verdade. O Novo Banco pretende que a reforma de um antigo funcionário, chamado Ricardo Salgado, desça dos actuais 90 mil para uns míseros 11 mil e 500 euros mensais. No momento em que escrevo, a APRe!, associação de defesa dos aposentados, pensionistas e reformados, ainda não emitiu qualquer comunicado. Serei o único, pelos vistos, a defender este pensionista injustiçado.

Quando as reformas sobem apenas um euro, muitas pessoas se indignam, e com razão. Pois a reforma deste homem desceu 78 mil e 500 euros, e há silêncio. É difícil entender este sentido de justiça. Como é que se espera que um homem habituado a auferir uma pensão de três mil euros por dia viva agora com 11 mil e 500 euros por mês? Vai ter de fazer contas, certamente, o que equivale a condená-lo à pobreza: é muito provável que um homem que conseguiu levar à falência o maior banco privado e a maior empresa portuguesa não tenha especial jeito para números.

Há vantagens, claro. Menos dinheiro é mais fácil de guardar, e Ricardo Salgado sempre teve pouco espaço no bolso, visto que, ao que se diz, tinha vários ministros e jornalistas lá dentro. Mas como pode um pensionista que sofre um corte destes na reforma fazer face às despesas correntes? Os medicamentos, a alimentação, as alegadas avenças a administradores – tudo isso custa dinheiro a um pobre reformado. É todo um estilo de vida que se reforma também. A Comporta terá Orbitur? O Banco Alimentar terá delegação na Quinta da Marinha? Não devia isto ter sido acautelado antes de se decidir pelo cruel corte na pensão?

Só uma coisa me consola. Em tempos, um construtor ofereceu 14 milhões a Ricardo Salgado em troca de um conselho. Acredito que Salgado tenha mais conselhos para dar – talvez nem todos tão preciosos, mas ainda assim suficientemente sensatos para valerem uma boa quantia. O meu conselho é, por isso, que Salgado aconselhe. Infelizmente, os meus conselhos são famosos por não valerem nada.

Ricardo Araújo Pereira
(Crónica publicada na VISÃO 1281, de 21 de setembro de 2017)