Valeu a pena?

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Já lá vai o 10 de junho e com ele foi mais um “mito” – ainda não sabemos se virá a ser rústico ou urbano – que o atual Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho, se encarregará um dia de desmentir ou recriar. Certo, para já, é que, chegada finalmente a hora da despedida, o Presidente Cavaco Silva quis lavrar o seu testamento político com uma proclamação de fé nas virtudes da governação dos seus parceiros, Passos Coelho e Paulo Portas. O “mito” deste 10 de junho é arrojado mas demasiadamente previsível: dizem-nos que os pesados sacrifícios impostos pelo Governo valeram a pena. Embora o início da recuperação económica tenha sido repetidamente anunciado desde 2012 e sempre desmentido e adiado nos anos seguinte, a iminência das eleições legislativas conseguiu agora inspirar um inesperado fôlego e renovada desfaçatez. Agora é que o país “bateu mesmo no fundo”: daqui para diante, asseveram, as coisas só podem melhorar!

É verdade que, desde há muitas décadas, o país não se confrontava com um retrocesso tão drástico da economia nem com uma tão generalizada degradação das condições de subsistência dos trabalhadores, dos desempregados e dos jovens forçados a emigrar, tudo isto agravado pelo colapso de serviços públicos essenciais, na saúde, na educação ou na justiça! Os cidadãos sabem-no muito bem, pela sua própria experiência, e todas as estatísticas o confirmam impiedosamente. E é verdade também que esta catástrofe pública e a tragédia social que lhe está associada não foram uma consequência perversa das políticas do Governo. Pelo contrário, era mesmo isto o que se previa e que o Governo desejava, declarando sem hesitar que até queria ir além daquilo que a troika impunha… porventura, mais um “mito” que Passos Coelho em breve se encarregará de confundir.

Então, valeu a pena? Vejamos, o Governo prometeu uma reforma do estado mas nunca a fez. Passos, quando chegou a meio do mandato, entregou essa tarefa a Portas, entretanto promovido a Vice-Primeiro-Ministro, que por sua vez a meteu no bolso, até hoje. Sem reforma do estado, o combate contra as míticas “gorduras” foi executado através dos cortes provisórios em salários e pensões, sempre a título excecional mas sempre repetidos, ano após ano, por ocasião da aprovação do Orçamento. E como ainda não chegava, venderam-se ao desbarato as empresas públicas – dessem lucro ou prejuízo, sem qualquer ponderação da sua importância estratégica – até quase nada sobrar para vender. Isto é, foram-se os anéis e os dedos dos contribuintes que durante muitos anos pagaram com os seus impostos os custos da sua transformação em modelos de inovação e competitividade. Valeu a pena?

O Governo prometeu reformar a segurança social e assegurar a sustentabilidade das pensões e reformas, mas o que fez? Ao fim de quatro anos, embora tenham inscrito nos compromissos assumidos em Bruxelas consumar no próximo ano mais um corte substancial nas reformas e pensões – como testemunha a insuspeita Ministra das Finanças – Coelho e Portas recusam-se agora a mexer em tais matérias sem a colaboração da Oposição… que arrogantemente desprezaram ao longo de todo o seu mandato! Valeu a pena? Terá sido este Governo que pugnou, em Bruxelas, para que o Banco Central Europeu assumisse um papel mais ativo na moderação dos encargos que penalizam sobretudo os países mais endividados, como Portugal? Apesar de reivindicar, como se fosse seu, o mérito da queda das taxas de juro que pagamos pela dívida soberana, o Governo recusou sistematicamente todas essas medidas, até que Draghi as assumiu.

E, por fim, será que a dívida pública diminuiu graças às políticas de austeridade? Bem pelo contrário, a dívida não parou de crescer e é hoje muito superior àquilo que devíamos em 2011. Definitivamente, esta gente não é de confiança.

Pedro Bacelar de Vasconcelos
Opinião JN 11.06.2015